quarta-feira, 30 de junho de 2010

Versículos para quem não é crente


Hoje as frutas são maiores mas os sabores são menores.
Um mal da vida moderna? Antigamente não era assim, nem as frutas, nem a terra, nem as pessoas.
A satisfação a todo custo, vem de uma crueldade mal curada. Uma doença social que rendeu anticorpos para manter viva, Clarice Lispector.
Desde 1942 quando começou a publicar romances, Clarice Lispector se destacou na literatura moderna pela escrita ousada e diferente dos romancistas cabisbaixos da época.
De um enredo, uma métrica diferente, surgiu um estilo delicadamente aborrecido de enxergar realidades cansadas de serem tristes.
Clarice pode ser um espelho d’água, límpido e revoltoso ao mesmo tempo, depende como as pedras são jogadas.

Por trás da doçura peculiar, ela já pintava em preto e branco, o retrato do homem máquina:

A máquina do papai batia tac-tac... tac-tac-tac... O relógio acordou em tin-dlen sem poeira. O silêncio arrastou-se zzzzzz. O guarda-roupa dizia o quê? roupa-roupa-roupa. Não, não. Entre o relógio, a máquina e o silêncio havia uma orelha à escuta, grande, cor-de-rosa e morta. Os três sons estavam ligados pela luz do dia e pelo ranger das folhinhas da árvore que se esfregavam umas nas outras radiantes.

Encostando a testa na vidraça brilhante e fria olhava para o quintal do vizinho, para o grande mundo das galinhas-que-não-sabiam-que-iam-morrer. E podia sentir como se estivesse bem próxima de seu nariz a terra quente, socada, tão cheirosa e seca, onde bem sabia, bem sabia uma ou outra minhoca se espreguiçava antes de ser comida pela galinha que as pessoas iam comer.


Clarice Lispector.

Ela nasceu, viveu, viveu, viveu, viveu...

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