“Então é isso?”, eu me perguntava, angustiada. Trabalhar,
pagar contas, cumprir tarefas da rotina, torcer para ser promovida e ser chefe
aos 40. É só isso?
Fui ficando triste. Achava que as coisas seriam
diferentes. A vida não era ruim – tinha um bom trabalho, amor, amigos, saúde.
Mas (e desculpe se soa mimado) não era aquilo que eu esperava. E me sentia
perdida. Devia voltar para a faculdade? Viajar? Mudar de emprego?
Primeiro, tentei transformar as pequenas coisas: cortei o
cabelo, troquei os móveis de lugar, fiz dança de salão. Conversei com muita
gente. Li livros. Fui a um psiquiatra e a um psicólogo, fiz acupuntura, tomei
antidepressivos, meu avô me benzeu. Não sabia de onde vinha a insatisfação, nem
o que poderia fazer curá-la.
“Faça
o que você ama” foi o conselho que mais recebi. Eu deveria encontrar minha
maior paixão e investir nela. Só assim eu preencheria o vazio que me tomava.
Por um tempo acreditei nisso. E revirei minha vida
procurando o que poderia ser essa paixão avassaladora. Gostar, eu gostava de
muitas atividades. Mas, do jeito que as pessoas falavam, parecia que eu devia
procurar outra coisa, que me atingiria como um raio e mudaria tudo.
Demorou
para entender que eu não tinha que fazer o que amava. Tinha é que aprender a
amar o que eu fazia.
A vida adulta é mesmo diferente do que imaginamos antes
de chegar a ela. Tem muito mais obrigações para dar conta, e muito menos
momentos espontâneos. De dez vontades que temos, com sorte dá para realizar um
par delas – as outras ficam guardadas para quando der. De dez ideias geniais,
terá sido sucesso se uma der certo.
Percebi
que o que me faltava não era paixão, mas humildade. Eu não era tão especial assim.
Nada seria só do meu jeito, no meu tempo. Precisava negociar e ceder, porque
essa é a única maneira de fazer as coisas acontecer.
Sempre faltariam horas, sempre faltaria dinheiro. Era
preciso aceitar que “bom” às vezes é o mais perto que chegaria da perfeição.
Que ninguém faz só o que gosta. Que o mundo é injusto. E que é preciso fazer o
que tem que ser feito – a única escolha é se será com boa ou má vontade.
Isso
não torna a vida necessariamente triste – desde que a gente aprenda a amar o
que tem a fazer. Como? Talvez lembrar o porquê ajude. Trabalho para dar
conforto à minha família. Parei de fumar para ter filhos e vê-los crescer.
Cozinho o jantar e faço a lição de casa com a minha filha todo santo dia porque
quero que ela sinta que me importo. Escovo os dentes para evitar ir ao
dentista.
Sendo muito sincera, há vários dias em que eu preferiria
não fazer nada disso. Bem queria poder dizer que tudo o que faço é porque adoro
demais. Não é. Mas aprendi a amar minhas responsabilidades para cumpri-las sem
que me pesem. E, sabendo o porquê de fazer, me senti novamente preenchida de
sentido e tranquilidade.
Essa
crise me ensinou que a maior motivação da vida não é a paixão. É o dever. Bem
menos romântica – não dá pra dizer “ah, eu nasci pra isso!” lavando louça. Mas
nem por isso ela é menos recompensadora. Esse senso de realização
imprescindível à felicidade – de que somos importantes e úteis, de que fazemos
diferença, de que as pessoas contam conosco – nasce não (só) de feitos
mirabolantes, mas das pequenas tarefas de cada dia. Que podem não despertar amor à primeira
vista. Mas cuja soma dos resultados é o que nos faz amar a nossa própria vida.
Texto de Roberta Faria, editora-chefe da revista Sorria
www.revistasorria.com.br
5 comentários:
muito bom o texto alê diria, até uma elucidação da vida. Achei até que fosse seu.
Bonito. Um belo texto, mas me deixou em outra crise rss... será que ainda penso que sou um adolescente? Será que sou duro de mais com os outros que não em entendem a ponto de ser "velho"?.. aaahhh! DEixa viver rs.. Cada ve melhor o seu blog
Eu tinha certeza de que era vc quem tinha escrito até o ponto final da linha final :) linda escolha
concordo com a Mariana, rss. Beijo.
quer dizer, tirando a parte dos 40 anos, rs. Ainda tem chão pra isso, né?
Postar um comentário